O OVO está na moda outra vez. Na crise, por ser barato, resolveu dispensar toda esta história de colesterol e virar estrela. Com a maior cara de pau. Numa década, é considerado vilão. Na outra semana, a maionese vira a coisa mais light e ninguém se desculpa.
Morro de "verguenza ajena" pelos cientistas que mudam de ideia como de casaco. Numa boa. E todos a cantarem de novo "A galinha do vizinho bota ovo amarelinho, bota um, bota dois, bota três". E nós papando todos com a consciência limpa. Agora pode, ele é nosso outra vez, frito, em gelée, cozido durante 60 horas, gema molinha e clara dura, clara mole e gema dura.
Está na hora de não deixar que o ovo colorido, já em extinção nos botequins e padarias, desapareça de vez. Sempre fico pensando porque se tingiam aqueles ovos. Para dar escolha ao levemente bêbado, parado em frente à vitrine, encafifado, peço o azul, ou o rosa, talvez aquele mais roxo? É claro que a cor do lado de fora deve influenciar o gosto. Um ovo cor de limão é mais azedo do que um marrom, sério, que até tem cheiro de carne assada.
Na China, quando nasce uma criança, os pais recebem as visitas com um presente, um ovo duro colorido que deve ser sinal de regozijo pelo nascimento.
De vez em quando, as coisas confabulam para aparecerem ao mesmo tempo. Meu neto chegou contando que comeu ovos Benedict no Ritz da alameda Franca, a nora comeu ovos de codorna numa casa de tapas nova-iorquinas em que o pão com tomate vinha com um ovinho de codorna poché por cima. No Union Square Café, se se pedisse uma sopa, alguns dólares iam para uma ONG de Sopão, agora é se pedirem um prato de ovos. David Chang, no Momofuku, não deixa de colocar um ovo no meio do lámen.
Uma exposição do artista Martin Kippenberger, no MoMA, os ovos aparecem nas suas pinturas como o Wally. É só procurar que você acha um. Rostos pintados em formatos de ovos. Ele na cruz, com seus ovos propriamente ditos; outra tela que é quase só um enorme ovo frito; um caminhãozinho carregando um ovo enorme, "Der Eierman und seine Ausleger". E haja símbolo.
No museu Lasar Segall, está o trabalho da fotógrafa Grete Stern, que ilustrava com fotomontagens os sonhos que as leitoras mandavam para a revista "Idílio" e eram interpretados por psicanalistas. E é claro que aparece o OVO, como possibilidade de explodir em vida. E a capa da última revista "Gastronômica" são ovos sendo quebrados, ligados pelos fios de gema e clara. Como são bonitas essas capas da "Gastronômica"! E a foto de ovos tirada pelo Rômulo Fialdini, que está na minha sala, que inspiração!
Um dia me perguntaram qual o nome que eu gostaria de dar à minha coluna, e escolhi "Indez" ou "Endez", que quer dizer: 1) ovo que se deixa no ninho descoberto, como chamariz para outras galinhas virem fazer postura no local; 2) que é de extrema suscetibilidade ou delicadeza.
Aí, por causa do segundo significado, desisti. Muito difícil ter a delicadeza transcendental de um ovo. Há muito tempo, Mari Hirata já nos ensinava a fazer esses ovos que demoram horas cozinhando. Pois desde pequena fazia piqueniques nas termas do Japão e, enquanto brincavam, deixavam os ovos a cozinhar no morninho das águas dos gêiseres o dia inteiro para comê-los depois, no ponto certo, sem o menor perigo de queimarem.
Já pensaram que alegria, livres da culpa, podemos comer fritadas, levar sanduíche de ovo para o colégio, e aproveitar enquanto dura. "Ficou comprovado que não existe relação entre o colesterol presente no ovo, mais especificamente na gema, e o aumento das taxas de gordura nociva no organismo." Durma-se com um barulho desses.
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